Sou...

A minha foto
Zürich, Zürich, Switzerland
Irrequieta. Curiosa. Criativa. Apaixonada. Versátil. Nasci quando as estrelas se juntaram para me ditarem no destino a Arte. Deveria estar frio... mas eu não me lembro. Escrevo desde que aprendi a fazê-lo. Umas vezes para me divertir, outras por desafio a mim mesma, outras porque as mãos me suam, implorando que o faça. Talvez um dia dê ouvidos aos meus amigos e faça por escrever um livro e o publique. Os textos e fotografias deste blog são da minha autoria, salvo aqueles que estão assinalados em contrário.

M, Mario, Montanha

A última coisa que me lembro, antes de cair no sono, com a cabeça deitada no colo dele, é da voz que me embalava num inglês com pronúncia italiana. Falava-me de Canis Majoris, a maior estrela descoberta até hoje; de R136a1, a estrela com maior massa observada no Universo; Eta Carinae, a estrela de brilho instável; Pistol Star, uma hipergigante azul das mais luminosas da nossa Via Láctea; Proxima Centauri, a estrela mais próxima do Sol... E lembro-me do toque dos dedos dele que faziam pequenas expirais na minha cabeça, me contornavam as linhas do rosto e me conduziram a um sono contra o qual eu tentava lutar e ao qual acabei por me render.

***

Abro os olhos devagar, a tentar adaptar-me à luz forte que entra pelos vidros enormes que formam uma das paredes do quarto. Uma preguiça de Sábado de manhã invade-me e eu escondo-me outra vez, quase me perdendo naquela cama enorme, feita com lençois de algodão brancos, bordados, um edredão leve e quente de penas e uma colcha sóbria, em tom pastel. Lá fora, o dia sorri-me com um sol convidativo, mas as montanhas pintadas de branco, ao fundo, lembram-me que no final de dia anterior, nem o chá verde com manga me aqueceu o corpo e eu continuava a tremer, até ao momento em que me puxou para ele e me abraçou dizendo-me quase em segredo ”i think we had enough for today, let’s go inside and light the fireplace”.

Sentada no tapete persa e rodeada de almofadas de cores garridas e formas invulgares, reparo como ajeita os pequenos pedaços de madeira de azinho à volta de duas pinhas secas e cheias de resina. O cheiro da lenha que começa a arder transporta-me à minha infância e aos Natais frios na Serra, onde as noites eram longas e se passavam na cozinha,em família, com o meu avô a preparar a carne, a avó a cantar e a contar histórias de antigamente , a massa das filhós a crescer na masseira,depois de benzida, bem aconchegada com um pano de linho e um cobertor, à beira da lareira . Depois a mãe estendia a massa sobre o óleo quente, eu virava a iguaria feita com abóbora, quando corada, e a seguir o irmão e a irmã passavam-nas por uma mistura de canela e açúcar. Por volta das 9 da noite a casa começava a encher com primos e tios, que também traziam outros doces de Natal e a casa perfumava-se numa mistura de cheiros onde se descobria também gengibre, louro, alecrim, maçã, musgo e gente. Sorrio, distante, e quando o fogo cresce, ele junta carvalho e castanheiro.

Depois vai buscar os álbuns que tinha prometido mostrar-me e trás também a Canon de quem eu tenho fugido sempre que a vejo com a objectiva na minha direcção. Fala-me das viagens e das histórias de cada uma das fotografias.

Rajasthan, no nordeste da Índia, descrevendo a riqueza dos significados das jóias, do vestuário, das cores e do calçado e de como estes estão estreitamente relacionados com a identidade das castas. Acrescenta pormenores fascinastes sobre as tradições e cultura e sem sair do lugar viajo conduzida pela mão dele.

Fala-me do Royal Botanic Gardens, mesmo junto à Ópera, onde das árvores pendem morcegos gigantes (Red Flying Fox) durante o dia e como ao cair da noite eles enchem o céu de Sidney, tornando-o mais escuro, mas encantador.

Ras al Khaimah e os meios de transporte, as estradas, as praias e a dificuldade na deslocação e comunicação.

E fala da saudade que sente da Nigéria, “apesar de não haver nada lá”

Um tic tac ritmado lembra que o tempo segue o seu curso e a noite se adianta no seu correr. A luz vermelho alaranjada que nos ilumina e aquece tem um efeito tranquilizador em mim e quando ele pega na câmara, sinto-me confiante para sorrir e me soltar em brincadeiras que resultam em fotos divertidas. Depois vamos preparar um chá, um ritual normalmente solitário a que nos habituámos há muito. Rooibos e baunilha... Regressamos à lareira e cansada, deito a cabeça no seu colo. Lá fora o céu estava limpo e conseguíamos ver o brilho distante das estrelas.

***

Ironicamente, só nos dias em que o despertador me acorda, volto a adormecer depois de abrir os olhos pela primeira vez. Poisado na mesa de cabeceira um bilhete em papel artesanal japonês:
“Ligaram da empresa...
Desculpa deixar-te sozinha a tomar o pequeno almoço. Tentarei estar de volta ao meio dia.
Baci,
Mario”

Quando me convidou para passar o fim de semana com ele, com o desafio de tirarmos as nossas máquinas fotográficas do abandono a que têm estado sujeitas, eu não imaginava que precisaríamos de algumas horas de viagem para chegar a um paraíso branco e calmo, longe do barulho da cidade e da pressa vertiginosa.

Levanto-me e reparo que a segunda bateria da minha Sony está carregada. Só tenho que salvar as fotografias dos cartões para uma usb drive e estamos de novo preparadas para mais uma caminhada. Faço um duche rápido e quente e desço para umas torradas quentes com manteiga e mel, café e duas laranjas deliciosamente ácidas. No terraço, uma espreguiçadeira convida-me e eu, fazendo-me acompanhar por uma das Focus dele, entrego-me ao prazer de ler o que ele lê, no seu refúgio de Montanha.